Distúrbios do sono

O Sono Normal

Introdução

Relógio Biológico

SARA e Regulação do Sono

Polissonografia e Estágios

Aspectos Gerais do Sono

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Os Distúrbios do Sono

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Bibliografia

 

 

Narcolepsia

A narcolepsia foi primeiro descrita em 1988 por J.B.E. Gelineau como sendo uma tendência anormal do sono que inclui sonolência excessiva diurna. As outras manifestações clínicas são a catalepsia (crises de fraqueza precipitadas por emoções fortes), a paralisia do sono e alucinações hipnagógicas (antes do sono). As quatro manifestações principais são denominadas "tétrades narcolépticas".

Os pacientes se queixam de fadiga ou cansaço durante o dia. Os fatores precipitantes são as interrupções das atividades físicas, a monotonia, o calor, os alimentos quentes, ou seja, fatores indutores do sono. Em cerca de 94% dos pacientes com narcolepsia ocorrem ataques de sono constantemente, o que pode favorecer acidentes automobilísticos, incapacidade para ler e ver televisão e assistir a uma aula, por exemplo.
Os ataques podem ter duração de poucos segundos, várias horas, mas geralmente duram entre 10 e 20 minutos. Alguns pacientes dormem durante todo o fim de semana exceto durante períodos curtos, nos quais se alimentam.
Foi sugerido que esse ataques podem ocorrer desde a infância, mas geralmente iniciam na segunda metade da segunda década e raramente depois dos 25 anos. 

Genética

Alguns estudos evidenciam que a narcolepsia esteja ligada a fatores genéticos. Quase a totalidade de pacientes narcolépticos apresentam um antígeno classe II do complexo de histocompatibilidade principal conhecido como DR15DQw6Dw2. Apesar disso, há registrada a possibilidade do desenvolvimento de narcolepsia em casos independentes e familiares, negativos para tal antígeno. Supõe-se, então, que a transmissão da narcolepsia seja multifatorial, com pelo menos dois genes, um dos quais não esteja ligado ao complexo de histocompatibilidade. A hipótese de que fatores ambientais exerçam papel importante no desenvolvimento da patologia também não é descartada, já que existem gêmeos monozigóticos discordantes para a narcolepsia.

Monoaminas

Estudos mais antigos evidenciam que a base neuro-química da narcolepsia se encontra no comprometimento moaminérgico. Drogas que aumentam as aminas na fenda sináptica melhoram a patologia. Assim, agentes que bloqueiam a recaptação, potencializam a liberação de monoaminas ou inibem a monoaminoxidase têm efeitos terapêuticos.

Hipocretina

Os últimos estudos a respeito da narcolepsia envolvem uma substância denominada hipocretina. Os novos avanços começaram com a descoberta em 1999 da causa da narcolepsia canina. Usando mapeamento genético, um grupo de cientistas da Universidade de Stanford, na Califórnia, descobriu que a doença nesses animais é devida a um defeito na hipocretina.
Quando um defeito semelhante foi induzido no cérebro de camundongos normais através de mutações no DNA, o resultado foram sintomas semelhantes aos da narcolepsia humana, levantando a suspeita de que também a doença no homem poderia ser relacionada a versões defeituosas da hipocretina.
No homem, no entanto, apenas em poucos casos de narcolepsia foram encontradas falhas na hipocretina - porque na maioria das vexes, a hipocretina simplesmente não era detectada. No cérebro dos pacientes, quase todos os 15.000 neurônios que deveriam estar produzindo hipocretina haviam desaparecido. E talvez tenham sido destruídos pelo próprio corpo: existe uma suspeita de que a narcolepsia seja uma doença auto-imune, em que o sistema imunológico do indivíduo começa a atacar certos órgãos do próprio corpo, além de invasores como vírus e bactérias.
Como a falta de hipocretina causaria a narcolepsia? A hipocretina normalmente ativa neurônios que impedem a entrada no sono REM, o período do sono em que acontecem os sonhos, quando o tônus muscular diminui e os movimentos são bloqueados. Na falta de hipocretina, supõe-se que esses neurônios, agora desimpedidos, promovam o sono REM mais facilmente, de modo que a pessoa ficaria constantemente à beira do sono. O resultado seria sonolência profunda durante o dia, o mais comum sintoma da narcolepsia.
Ainda não há uma boa explicação para o fato de o ataque de narcolepsia ser desencadeado por emoções, mas ela provavelmente envolverá o hipotálamo, aonde a hipocretina é produzida, que também participa nas emoções.

Polissonografia geral dos narcolépticos

Uma característica polissonográfica marcante nos indivíduos narcolépticos é a possibilidade de passagem diretamente da vigília ao sono REM em menos de 10 minutos (início súbito do sono REM - ISREM). Caso sejam acordados incidentalmente, como durante experimentos, eles apresentam sono REM logo a seguir. Assim, uma característica marcante da narcolepsia é o início anormal do sono REM invadindo a vigília.

Sono REM

Na narcolepsia o sono REM também acontece em momentos inoportunos, provocando os outros sintomas conhecidos - que provavelmente também se explicam pela falta de hipocretina. Quando o sono REM se instala subitamente na pessoa acordada, ela perde as forças nos músculos e cai (o tônus muscular diminui e os movimentos são bloqueados). Quando, ao contrário, o sono REM - e os sonhos associados - não acabam completamente quando se acorda, a pessoa tem a horrível sensação de não poder se mover, o que pode ser acompanhado pela impressão de "se ver de fora". Consciência e sonhos se misturam, e o resultado pode ser aterrorizante. 

Manifestações clínicas

Sonolência excessiva diurna
Cataplexia
Paralisia do sono
Alucinações hipnagógicas

Sonolência excessiva diurna 

A sonolência excessiva diurna costuma ser o primeiro sintoma (acomete 100% dos narcolépticos). Dura o dia todo, mas acentua-se em situações monótonas, chegando-se a dormir no trabalho e ao dirigir, podendo levar a acidentes.
A sonolência é contínua durante o dia em níveis não suficientes para adormecer, mas intensa o suficiente a ponto de dificultar o desempenho de tarefas que requerem atenção e concentração. Após um cochilo curto (10-20 minutos) durante o dia, os pacientes se sentem recuperados. Pela manhã estão bem disposto, mas depois de algumas horas a sonolência vai aumentando progressivamente até ficar quase incontrolável. Há, geralmente, um primeiro ponto máximo de sonolência no meio da manhã e um segundo no meio da tarde.

Cataplexia

A cataplexia pode ser definida como perda súbita e reversível de tônus muscular durante a vigília. É o segundo sintoma, acometendo cerca de 70% dos indivíduos narcolépticos. Por vezes é parcial, e acomete apenas o tônus cervical ou dos membros; ou generalizada, levando à queda ao solo, em atonia, por vários minutos. No último caso, há paralisia flácida de toda a musculatura somática, geralmente excetuando o diafragma e a musculatura ocular extrínseca. A sua duração costuma estar limitada a poucos segundos, mas pode alcançar 30 minutos. Se a crise for de curta duração, como é o mais usual, a cataplexia não é acompanhada de perda da consciência, mas se for longa, pode ser seguida do adormecer.
O fator emocional é deflagrante comum na cataplexia, e tem-se visto pacientes apresentarem situações de emoção e expectativa enquanto praticam esportes, prejudicando ou impossibilitando tal atividade. As crises dependem fundamentalmente dos fatores emocionais agudos deflagrantes (por exemplo, riso, raiva, expectativa). 
A polissonografia feita durante a crise cataplética mostra a atonia idêntica à do sono REM. Assim, na catalepsia há a entrada de uma das fases de um dos componentes do sono REM - a atonia -, invadindo a vigília. Caso adormeça em seguida a um episódio cataplético longo, há passagem direta ao sono REM.

Paralisia do sono

A paralisia do sono ocorre em 5% dos narcolépticos. Ela pode ocasionalmente ser encontrada em pessoas normais, geralmente adolescentes e adultos jovens. Entretanto, merece ser ressaltada por acometer mais freqüentemente os narcolépticos do que os normais. 
A paralisia do sono é descrita pelo paciente como sensação de imobilidade completa durante um a dois minutos, ocorrendo na transição sono-vigília, logo ao adormecer ou ao despertar. O paciente é incapaz de se mover, falar ou abrir os olhos, embora esteja completamente consciente e posteriormente possa se lembrar disto. Nas primeiras vezes, principalmente se acompanhada de alucinações amedrontadoras, o paciente fica muito ansioso; conforme os episódios se tornam mais comuns, ele aprende a aceitá-los como benignos. Por vezes, o paciente apresenta medo de morrer durante tais episódios até que seja esclarecido a natureza dos mesmos. Caso tente gritar ou se mover, ele produz apenas grunhidos leves e, para o observador, parece estar dormindo profundamente. 
Geralmente, o episódio de paralisia do sono termina de forma espontânea. Por outro lado, caso o paciente seja tocado levemente, sacudido, ou mesmo ao se falar com ele, tais estímulos externo fazem a paralisia terminar abruptamente.
O registro polissonográfico da paralisia do sono evidencia o despertar durante o estágio REM, persistindo a atonia própria deste estágio. A duração é geralmente de menos de um minuto e raramente chega a 10 minutos, sendo o término espontâneo.

Alucinação hipnagógica

A chamadas alucinações hipnagógicas (antes do sono) são descritas principalmente como sonhos vívidos logo ao adormecer. Acomete cerca de 10% dos narcolépticos. Geralmente são alucinações visuais, podendo Ter uma única cena, uma sequência ou formas simples, mudando continuamente de forma e tamanho. As imagens têm todas as características de um sonho vívido no qual o paciente se vê tomando parte. Por vezes, ele tem consciência do que se passa no mundo real ao redor, enquanto vive a experiência de alucinação-sonho. Pode ver imagens de animais ou de pessoas que surgem abruptamente. Menos comumente, pode haver alucinações auditivas que variam desde sons variados até melodia elaborada.
O registro polissonográfico mostra o estágio REM logo no início do sono, demonstrando que tal alucinação não é mais que sonho, próprio do sono REM. O início do sono pode passar a ser visto pelo paciente como desagradável, dada a ocorrência de alucinações.

Tratamento

Como já foi dito, drogas que aumentam as aminas na fenda sináptica podem melhorar o quadro de narcolepsia.
Atualmente é mais utilizado a administração de modafinil, que ativa os neurônios com hipocretina que restam. Evidentemente, agora a própria hipocretina é o mais novo candidato para o tratamento da narcolepsia.
Entretanto, além de aumentar a vigília e suprimir o sono REM, a hipocretina afeta a pressão arterial e estimula a pessoa a comer. Afinal, essa substância foi descoberta originalmente por controlar a ingestão de alimentos, e é produzida no hipotálamo, que regula várias funções vitais como a fome, a sede, e o próprio sono.

 

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